Ainda há espaço para a alegria?
Nestes dias em que começamos o Advento parece-me interessante um texto que descobri sobre a alegria. Embora seja de 2012 parece-me extremamente actual. Aqui o deixo.
O ano que agora começa não vai ser propriamente um tempo festivo. Por isso, poderá parecer ao leitor que este tema é uma dolorosa provocação. Mas não é: falo muito a sério.
A alegria é um sentimento sem o qual os humanos não podem viver. Mesmo na noite mais escura, em que a dor, o sofrimento e o choro encharcam a nossa alma, se não encontrarmos um espaçozinho para a verdadeira alegria, dificilmente suportaremos tal situação.
É claro que há várias formas de alegria e nem todas produzem esse efeito libertador.
Há a alegria de aviário, que não tem consistência, usa-se quando a circunstância a exige, mas não tem nada por detrás. É como a carne dos frangos produzidos em série, obrigados a crescer à pressão, com um sabor sem sabor, filhos de hormonas e antibióticos insossos.
Há a alegria industrializada, que estrondeia nas vielas da noite, alimentada a combustíveis etílicos ou a passas que não são de uva. É hoje muito estimada por industriais legais de drogas ilegais que se alimentam da sua distribuição bem lucrativa e muito desejada, porque gera euforias momentâneas a quem as usa e lhe dá bravata para tomar atitudes das quais, em estado sóbrio, se envergonharia.
Há a alegria amarela, que se espelha num sorriso dessa cor, para disfarçar uma desilusão ou vir em socorro da vítima de uma qualquer partida de colegas ou da vida. Por detrás está a frustração que se quer esconder e se possível ignorar.
Há a alegria «de café» que, na sua ambiguidade, tanto pode ser um ato de superficialidade balofa como uma genuína manifestação de contentamento, que reforça as relações interpessoais.
Há a alegria franca que ressoa na gargalhada cristalina. Brota do fundo da nossa dimensão lúdica e ajuda a suportar com estoicismo angústias e medos que a vida nos põe a cada curva.
Há a alegria interior que faz «pouco ruído» mas sempre se pode encontrar na limpidez de um olhar tão transparente que chega ao fundo da alma. O olho é o espelho da alma. Quantos doentes, às vezes em estado quase terminal, continuam a irradiar um olhar sereno, a apresentar uma face risonha, a iluminar os que estão à sua volta.
Só esta alegria é capaz de ultrapassar as maiores dificuldades. Não se trata de uma alegria exterior que disfarça a amargura nem de uma alegria hipócrita que pensa enganar a dura realidade, fugindo ou ignorando-a. É, antes, a alegria dos fortes, que aceitam que a vida é feita de tempos felizes e tempos dolorosos e que uns e outros têm de ser vividos com serenidade, a alegria que evita angústias doentias ou euforias alienantes.
Esta alegria nasce do fundo de nós próprios, do facto de estarmos vivos, de acreditarmos em nós próprios, de nos reconhecermos «pessoas», sujeitos livres e conscientes da Vida e da História.
Neste ano vamos precisar muito de aprender a viver e a expressar esta alegria.
É necessário expressá-la para nos ajudarmos a nós mesmos e também para contagiar os que vivem perto de nós. Em tempos de crise, a alegria pode ser e é uma forma privilegiada de ajuda aos outros.
José Dias da Silva
Fonte : Alem Mar